“Paizinho” FMI passa novo cheque

O governo de Angola vai receber 704 milhões de unidades de Direitos Especiais de Saque (DES), cerca de 852,3 milhões de euros, de acordo com a distribuição proporcional à sua quota no Fundo Monetário Internacional (FMI).

De acordo com o documento que foi aprovado pelo Conselho de Administração do FMI e que começará hoje a reforçar as reservas cambiais de todos os membros do Fundo, Angola receberá 704 milhões de unidades de DES, correspondentes a 997 milhões de dólares ao câmbio actual.

“A proposta defende uma alocação de 650 mil milhões de dólares, cerca de 456 mil milhões de DES, baseada numa avaliação das necessidades de reservas dos Estados membros a longo prazo, e inclui medidas para aumentar a transparência e a responsabilização no reporte do uso dos DES, ao mesmo tempo que preserva as características dos DES”, lê-se numa nota técnica do FMI sobre a emissão, que começará hoje a ser concretizada.

Na nota, lê-se ainda que “a alocação ajudará muitos estados membros a suavizar a necessidade de ajustamento face aos constrangimento de liquidez e a evitar políticas desequilibradas, ao mesmo tempo que fornece espaço para aumentar a despesa na resposta à crise e nas vacinas”.

Os países em desenvolvimento e os mercados emergentes vão receber 275 mil milhões de dólares (235 milhões de euros) do total, disse a directora executiva do FMI, Kristalina Goergieva, a 2 de Agosto, na aprovação da emissão pela Direcção do Fundo.

Os países membros começaram a discutir uma emissão de DES logo no ano passado devido ao impacto da pandemia de Covid-19, que atirou a economia global para uma recessão de 3,5%, devendo crescer 6% este ano, segundo as previsões feitas do último relatório sobre as Perspectivas Económicas Mundiais.

A emissão de DES é um instrumento criado pelo FMI para dar liquidez e ampliar os recursos disponíveis dos Estados com necessidades financeiras, funcionando como uma espécie de aumento de capital do FMI, para reforçar o combate à pandemia e relançar o crescimento económico.

Um DES é uma unidade em que o dólar americano tem 41,73% do peso, o euro 30,93%, o yuan chinês 10,92%, o iene japonês 8,33% e a libra esterlina 8,09%, e tem uma cotação publicada diariamente pelo FMI. No domingo, 1 DES correspondia a 1,2107 euros.

Angola é o país da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) no continente africano que terá uma alocação mais robusta, seguindo-se Moçambique, com 261 milhões de euros, a Guiné Equatorial (181,6 milhões de euros), a Guiné-Bissau, com 32,6 milhões, Cabo Verde, com 27,8 milhões, e São Tomé e Príncipe, que receberá quase 17 milhões de euros em reservas cambiais.

No total, os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) receberão um reforço de 1.372,2 milhões de euros, correspondentes a 1134 milhões de unidades de DES.

A emissão de DES vai ajudar os países com maiores dificuldades a equilibrarem as suas contas e reforçarem a aposta no combate à propagação da pandemia, e tem sido qualificada pelos países africanos como essencial para relançar o crescimento económico da região.

Os países africanos, nomeadamente os da África subsaariana, têm argumentado que a sua parte de DES é desproporcionalmente inferior às suas necessidades devido à diminuta quota no FMI, salientando a baixa taxa de vacinação e a necessidade de manter o financiamento dos projectos com capacidade para robustecer as infra-estruturas e assim garantir a atractividade de novos investimentos que façam a região crescer.

O FMI tem defendido que os países mais avançados, menos necessitados desta ‘injecção de capital’, deveriam transferir uma parte do reforço dos seus DES para os países em desenvolvimento, tendo sido acordado pelas principais potências a canalização de pelo menos 100 mil milhões de dólares, equivalentes a cerca de 854 milhões de euros, para os países com mais dificuldades.

Patrão (FMI) receita… cautela

O representante do FMI em Angola, Marcos Souto, alertou recentemente para a capacidade de endividamento “muito limitada” de Angola, sublinhando que qualquer iniciativa de financiamento deve ser vista “de forma muito cautelosa” e aplicada em projectos com retorno económico adequado. Foi uma simpática forma de passar um atestado de (in)competência aos peritos do governo.

Marcos Souto que falava no Angola Innovation Summit, evento que decorre de forma virtual, lembrou que uma parcela considerável do orçamento angolano é usada no serviço da dívida.

“Cada vez que há um choque nos preços do petróleo isso gera desafios enormes para as finanças públicas. Por isso, qualquer iniciativa no sentido de se obter linhas de financiamento para o Governo angolano deve ser vista de forma muito cautelosa”, afirmou, apelando a que os recursos sejam aplicados para que tragam um retorno económico adequado.

O responsável do Fundo Monetário Internacional reforçou que, quer se trate de emissão ou contratação de linha de financiamento tem de ser “muito cautelosa” considerando os níveis elevados da dívida.

“É preciso vir para Angola com mais `equity` e que efectivamente invistam em Angola, porque dívida Angola já tem suficiente”, destacou, acrescentando que os recursos devem ser aplicados de forma a garantir retorno económico adequado, em investimento público que tenham um retorno “razoável” e tragam benefícios para a economia e a população angolana.

Já que os recursos são efectivamente escassos, a escolha dos projectos deve ser feita de forma muito criteriosa, considerando todas as dificuldades, não apenas económicas, mas que dizem respeito à população angolana, realçou.

O economista assinalou que o executivo tem sido “muito prudente nas contas públicas” e que fez um “esforço hercúleo no sentido de diminuir as despesas”, mas “infelizmente” as receitas sofreram também um impacto bastante negativo devido aos efeitos da pandemia de Covid-19 e à forte dependência do petróleo.

O FMI concluiu recentemente a 5ª avaliação do programa económico de Angola, apoiado por um acordo estendido no âmbito do Programa de Financiamento Ampliado, o que permitiu mais um desembolso de cerca de 770 milhões de dólares (647,7 milhões de euros).

Marcos Souto saudou o compromisso do executivo angolano com as reformas estruturais “difíceis” e com a estabilização da economia, salientando que FMI e governo mantêm uma “relação muito construtiva”, embora nem sempre estejam de acordo.

Adiantou que a perspectiva macroeconómica é de melhoria, associada à subida do preço do petróleo, mas a médio prazo permanecem desafios devido ao grau de incerteza provocado pela Covid-19

Outro dos desafios é a elevada inflação, em torno dos 25%, que dificulta um crescimento económico sustentável, apesar da política monetária restritiva que tem sido conduzida pelo banco central angolano.

O potencial impacto negativo do aumento da taxa de juro decidido na última reunião do Comité de Política Monetária do Banco Nacional de Angola “está a ser monitorado”, afirmou.

“É um equilíbrio muito delicado. Por um lado, suportamos os esforços do banco central para ancorar as expectativas inflacionárias, mas não se deseja com isso que a actividade económica seja sufocada, daí a importância de continuar as reformas estruturais”, detalhou o responsável do FMI.

Marcos Souto considerou que a retoma da actividade não petrolífera tem acontecido a um ritmo mais lento do que seria desejável e apontou riscos significativos, apesar da melhoria do ambiente externo: níveis elevados da divida, volatilidade dos preços do petróleo, bem como a evolução da pandemia, em particular os feitos da nova variante Delta apesar do investimento na vacinação.

“Apoiamos integralmente, inclusive, se necessário em termos de espaço orçamental, o que as autoridades julgarem necessário para garantir a vacinação da sua população”, afirmou.

Deficiência ou (deliberado) gozo?

No dia 10 de Dezembro de 2019, Marcos Rietti Souto, disse que as reformas em curso no país “são do Governo angolano e não da instituição financeira”, defendendo que “apesar de difíceis”, estas trarão “resultados positivos”. Por outras palavras, como faziam os coloniais maus “chefes de posto”, a culpa do que eles mandavam fazer era sempre dos sipaios.

“Reconhecemos que muitas dessas reformas, essas medidas, não são medidas fáceis, elas são para a economia e para a população, mas elas são reformas do Governo angolano, não são medidas do FMI, nós estamos aqui, simplesmente, para darmos o nosso contributo do ponto de vista da experiência”, afirmou nesse dia Marcos Rietti Souto, passando aos angolanos um enorme atestado de menoridade intelectual e de matumbez.

Segundo o responsável, o FMI vai continuar a dar o suporte técnico ao Governo angolano para implementar essas reformas “que na nossa visão pensamos que no médio e longo prazo terão resultados bastantes positivos para a economia angolana”.

No âmbito do programa de ajustamento financeiro, aprovado em Dezembro de 2018, e no domínio económico, financeiro e fiscal estão em curso em Angola (por ordem directa e sine qua non do FMI) com vista à estabilidade macroeconómica e da gestão das finanças públicas.

“Todas essas medidas, elas vêm sendo discutidas dentro do contexto desse programa de assistência ao Governo angolano que já vem inclusive sendo apresentado nos relatórios anteriores”, recordou o represente do FMI, em declarações aos jornalistas.

O responsável falava na altura na sede do Ministério das Finanças, em Luanda, no final de cerimónia de assinatura do Projecto de Apoio à Gestão das Finanças Públicas de Angola entre o Governo angolano, a União Europeia e o departamento de Assuntos Fiscais do FMI.

Questionado sobre a resposta que recebeu do Governo angolano sobre a possibilidade da eliminação dos subsídios aos combustíveis, justificou a sua necessidade, considerando que os mesmos “tendem a beneficiar outros segmentos da economia que não precisam desses benefícios”.

“Existe realmente uma parte da população que vai ter um impacto e, por isso, nós estamos realmente enfatizando a necessidade de se ter redes de assistência de protecção social para minimizar o custo ou o impacto negativo que isto eventualmente possa ter na parcela mais vulnerável da população”, argumentou.

Mas, notou, “efectivamente é algo que tem que ser levado dentro de um contexto muito mais abrangente que é o de buscar uma solidez fiscal do Governo e de uma empresa importante que é a Sonangol”.

“Existem algumas iniciativas em curso, inclusive as transferências monetárias para as populações mais carentes é uma iniciativa em coordenação com o Banco Mundial e a intenção é que este mecanismo esteja disponível antes de se começar qualquer remoção de subsídios do petróleo”, explicou.

Em relação à, na altura recente aprovação da revisão da Lei de Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo, com observações sobre pessoas politicamente expostas, o representante do FMI classificou com um “passo importante”, aguardando pela sua efectivação.

“Esperamos pela efectivação da aplicação da lei, e da nossa parte o que vemos é que há um compromisso muito forte por parte das autoridades angolanas e enfatizo que essa como tantas outras são iniciativas do Governo angolano”, concluiu.

Folha 8 com Lusa

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